Gente e cotidiano

Pesquisa e Texto: Sônia Fardin

Gente e cotidiano é título dado por Zinclar a uma série realizada entre 2005 e 2006, durante a pesquisa para a produção do livro O Rio São Francisco e as águas no Sertão, publicado em 2010.

A organização de imagens em séries explicita, sobretudo, o consciente empenho do fotógrafo militante na disputa política de todo o campo da produção visual, desde a elaboração dos registros fotográficos até a arquivística aprimorada na formulação e denominação das séries.

Assim, com recorte de classe, Zincar exercia o domínio de todo o ciclo da luta pela comunicação visual; pois, se cada imagem já realiza um ato de luta política, é na série que se tece e amplifica a potência dessa luta.

Nas séries denominadas “gente e cotidiano”, Zinclar dá a ver seu olhar etnográfico, atento a gestos, emoções e afazeres da população camponesa e ribeirinha das regiões do baixo e médio São Francisco.

São imagens que documentam a capacidade da classe trabalhadora rural de resistir, produzir e celebrar a vida. Foi assim que, o gaúcho de nascimento, tornou-se um dos mais dedicados documentaristas visuais da vida e das lutas do povo nordestino.

Zinclar completaria 62 anos neste 13 de agosto de 2018, para marcar esta data, a equipe responsável pelo acervo escolheu divulgar esta série inédita para dar consequência ao que o comunista Zinclar definia como as tarefas políticas indissociáveis na produção da visualidade dos movimentos sociais: fotografar, arquivar e difundir imagens fortalecedoras da classe trabalhadora brasileira.

Agregamos as imagens feitas pelo gaúcho operário da fotografia as palavras de um nordestino poeta, também comunista, João Cabral de Melo Neto, “um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos (…) para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo...”

Assim também se organizam as séries fotográficas, assim também se tecem as lutas políticas.

Campinas, agosto de 2018

Tecendo a Manhã

João Cabral de Melo Neto

Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro; de um outro galo

que apanhe o grito de um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,

se erguendo tenda, onde entrem todos,

se entretendendo para todos, no toldo (a manhã)

que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão.